O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, acusou hoje os líderes ocidentais de terem planos para uma “verdadeira guerra” contra a Rússia, que só poderá ser nuclear. Eritreia, Bielorrússia e Coreia do Norte subscrevem. Os dois únicos países africanos (verdadeiramente) lusófonos que têm no Poder o mesmo partido deste a independência, Angola (MPLA) e Moçambique (Frelimo) também subscrevem, embora sob o manto diáfano da “abstenção”.
Por Orlando Castro (*)
“Todos sabem que uma terceira guerra mundial só pode ser nuclear, mas chamo a vossa atenção para o facto de que isto está na mente dos políticos ocidentais, não na mente dos russos”, disse Sergei Lavrov numa videoconferência de imprensa a partir de Moscovo, citado pela agência francesa AFP.
Sergei Lavrov referiu-se a comentários recentes dos seus homólogos francês, Jean-Yves Le Drian, e britânica, Liz Truss, sobre a dissuasão nuclear e o risco de guerra com a Rússia.
“Se algumas pessoas estão a planear uma verdadeira guerra contra nós, e eu penso que estão, deveriam pensar cuidadosamente”, disse Lavrov. “Não deixaremos que ninguém nos desestabilize”, assegurou.
O Presidente russo, Vladimir Putin, anunciou, no domingo, que colocou em alerta o sistema de dissuasão nuclear do exército russo, uma decisão que suscitou inquietação em muitas capitais do mundo e declarações contra uma nova escalada.
Ao anunciar a intervenção militar russa na Ucrânia, iniciada em 24 de Fevereiro, Putin também fez uma ameaça que foi interpretada como uma referência a armas nucleares.
“Quem nos tentar impedir, quanto mais criar uma ameaça ao nosso país, ao nosso povo, deve saber que a resposta da Rússia será imediata e infligirá consequências nunca vistas na sua história”, disse Putin, na altura.
Na conferência de imprensa, Sergei Lavrov acusou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) de estar a tentar reforçar a segurança do Ocidente à custa da Rússia e comparou os Estados Unidos a Napoleão e Hitler.
“No passado, Napoleão e Hitler tinham um objectivo de subjugar a Europa. Agora, os norte-americanos fazem-no”, disse, citado pela televisão britânica BBC.
Sergei Lavrov acusou também os EUA de terem ordenado o cancelamento do gasoduto Nord Stream 2, que iria fornecer gás russo directamente à Alemanha, considerando que isso “mostra o lugar” de subjugação da União Europeia (UE).
O chefe da diplomacia russa descreveu a questão ucraniana como um “filme de Hollywood” escrito pela comunicação social ocidental, em que a Rússia desempenha o papel de “mal supremo”.
Sergei Lavrov repetiu que o regime ucraniano é neonazi, um dos argumentos usados por Moscovo para justificar a invasão da Ucrânia. Disse também que os ucranianos estão “agora a tentar usar civis como escudos humanos”.
Sergei Lavrov e Putin são duas das personalidades russas visadas nas sanções que a UE e muitos países decretaram contra a Rússia na sequência da invasão da Ucrânia.
As autoridades de Kiev contabilizaram, até ao momento, mais de 2.000 civis mortos, incluindo crianças. A ONU já deu conta de mais de um milhão de refugiados.
O Presidente russo, Vladimir Putin, justificou a “operação militar especial” na Ucrânia com a necessidade de desmilitarizar e “desnazificar” o país vizinho, afirmando ser a única maneira de a Rússia se defender e garantindo que a ofensiva durará o tempo necessário.
Entretanto, a Coreia do Norte acusou os Estados Unidos de serem “a causa raiz da crise ucraniana”, numa primeira reacção oficial à invasão russa da Ucrânia.
Washington prosseguiu uma política de “supremacia militar, desafiando a legítima exigência da Rússia pela sua segurança”, pode ler-se numa mensagem publicada no site do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Norte, assinada por um investigador da Sociedade para o Estudo da Política Internacional.
“A causa raiz da crise ucraniana reside também no autoritarismo e arbitrariedade dos Estados Unidos”, acrescentou.
Na mesma nota critica-se os EUA por terem “dois pesos e duas medidas” em relação ao resto do mundo. Acusou os EUA de interferir nos assuntos internos de outros países em nome da “paz e estabilidade”, enquanto “denunciava injustificadamente as medidas de autodefesa tomadas por [esses] países para garantir a sua própria segurança nacional”.
“Os dias em que os Estados Unidos reinavam terminaram”, concluiu.
Ainda assim, a mensagem publicada no site do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Norte é entendida como uma resposta oficial “discreta” de Pyongyang porque foi publicada em nome individual, disse Park Won-gon, professor de estudos norte-coreanos na Universidade Ewha em Seul, na Coreia do Sul.
Mais de meio milhão de crianças refugiadas
A UNICEF denunciou hoje que a invasão russa da Ucrânia provocou “mais de meio milhão de crianças refugiadas” no espaço de uma semana, alertando para as “consequências trágicas” e o “preço muito elevado” deste conflito.
“O uso de explosivos nas cidades pode rapidamente transformar esta crise numa catástrofe para as crianças da Ucrânia. Não há operações armadas desta escala que não resultem em prejuízo para as crianças. As consequências serão trágicas”, disse Afshan Khan, directora regional da UNICEF para a Europa e Ásia Central, citada num comunicado.
Na nota informativa, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) relata a morte de 17 crianças e ferimentos em outras 30 desde 24 de Fevereiro (dia do início da invasão russa), salientando que estes números são “apenas os relatos que as Nações Unidas conseguiram verificar” e que o número de baixas “é provavelmente muito superior”.
A organização que integra o sistema das Nações Unidas referiu que o conflito obrigou à deslocação de uma parte significativa da população da Ucrânia, que “poderá em breve constituir uma das maiores crises de refugiados da Europa desde a II Guerra Mundial”, sublinhando os relatos de escolas, orfanatos e centros de saúde gravemente danificados.
“Centenas de milhares de pessoas estão sem água potável devido a danos nas infra-estruturas de abastecimento de água, e muitas ficaram impedidas de aceder a outros serviços básicos como cuidados de saúde. O país está a ficar sem artigos médicos essenciais e foi forçado a interromper os esforços em curso para travar um surto de poliomielite”, apontou o mesmo comunicado.
A agência revelou ainda que está a intensificar a resposta às necessidades de crianças e famílias que atravessam as fronteiras ucranianas para países vizinhos, incluindo a “criação de espaços seguros ao longo das rotas de trânsito para as crianças e mães terem acesso a alguns serviços básicos”.
No dia 28 de Fevereiro, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, revelou “com grande alegria” na que os dois estudantes portugueses que se queixaram de racismo por parte das autoridades ucranianas por não os deixarem ir para a Polónia já passaram a fronteira do lado ucraniano.
“As coisas correram bastante bem. Agradeço à embaixadora da Ucrânia em Lisboa, que foi incansável quando nós sinalizámos este problema para tentar resolvê-lo e ele está resolvido”, disse o ministro.
Augusto Santos Silva revelou ainda que não haverá qualquer limite para os ucranianos refugiados que queiram vir para Portugal. António Costa já tinha dito anteriormente que todos os ucranianos “são bem-vindos a Portugal”.
O ministro das Relações Exteriores de Angola, Téte António, fez o Mestrado em Relações Económicas Internacionais, na Universidade de Kiev da Ucrânia (ou terá sido na Universidade de Kiev da Rússia).
O Ministério das Relações Exteriores de Angola está – diz – a trabalhar “afincadamente” com as suas representações diplomáticas na Rússia e na Polónia para retirar os angolanos residentes nas áreas da Ucrânia afectadas pelo conflito.
Segundo uma nota do seu gabinete de imprensa, o governo de Luanda tem estado a acompanhar a situação dos angolanos residentes naquele país, “face à escalada de tensão que se verifica nesta parte da Europa do Leste” e tudo fará para salvaguardar a vida dos seus cidadãos residentes na Ucrânia.
Angola é o MPLA, Moçambique é a Frelimo, Putin é o dono dos dois
Em Fevereiro de 2019, a consultora Eurasia considerou que a divulgação da existência de contratos entre Angola e as empresas envolvidas no escândalo da dívida oculta de Moçambique “pode beliscar ligeiramente” a imagem de João Lourenço.
“A agenda reformista de João Lourenço não vai, provavelmente, perder fôlego por causa deste desenvolvimento e apesar de a sua imagem de combate à corrupção possa ser ligeiramente beliscada, a campanha anti-corrupção focada na família de José Eduardo dos Santos e seus aliados vai provavelmente continuar”, escreveu o director para a África subsaariana desta consultora, Darias Jonker.
Num comentário à divulgação de contratos no valor de mais de 500 milhões de dólares entre o Ministério da Defesa de Angola e a Privinvest, a Eurasia disse que “o projecto da Privinvest em Angola é «notícias velhas», foi amplamente divulgado em 2016 e faz parte do projecto Pro-Naval decretado pelo antigo Presidente José Eduardo dos Santos para garantir um sistema de segurança marítimo para o país”.
Sobre o actual chefe de Estado angolano, que na altura era ministro da Defesa, Darias Jonker disse que “apesar de se ter distanciado da corrupção descarada da era de Eduardo dos Santos, era inevitável que os três anos passados no Governo do ex-Presidente da República como ministro da Defesa o ligassem a contratos militares questionáveis”.
A UNITA defendeu, na mesma altura, uma averiguação à denúncia sobre o alegado envolvimento do Ministério da Defesa, na tutela de João Lourenço, actual Presidente da República, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, num negócio com empresas envolvidas nas “dívidas ocultas” moçambicanas.
A posição foi então manifestada pelo líder do grupo parlamentar da UNITA (hoje Presidente do partido), Adalberto da Costa Júnior, numa conferência que abordou questões ligadas à limitação (inexistência) da fiscalização dos deputados aos actos de governação.
Em causa estava, como Folha 8 revelou, um relatório da consultora EXX Africa que alertou que Angola poderia enfrentar riscos reputacionais por o Ministério da Defesa angolano, na altura dirigido pelo actual chefe de Estado, João Lourenço, ter feito um negócio de 495 milhões de euros com as empresas envolvidas no caso das “dívidas ocultas” de Moçambique.
O “Relatório Especial” da EXX Africa sobre a ligação entre a empresa Privinvest e o Governo do MPLA (no Poder desde 1975), quando João Lourenço era ministro da Defesa, adiantava que “há indicações cada vez maiores de envolvimento de líderes políticos angolanos no escândalo moçambicano que ainda não foram totalmente divulgadas”.
O Ministério da Defesa de Angola, dizia esta consultora, “chegou a fazer um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest, num contrato com aparentemente notáveis semelhanças com a Prolndicus e MAM (em termos de palavreado e conteúdo), as empresas que estão no centro do escândalo da “dívida oculta” de Moçambique.
“Estas ligações e os negócios feitos arriscam-se a minar o ímpeto muito popular e mediático contra a corrupção, e podem também embaraçar os principais líderes políticos angolanos, e colocam riscos reputacionais para os investidores em Angola”, acrescentava o relatório.
Em causa estavam dois contratos que a EXX Africa diz terem sido assinados pelo Ministério da Defesa de Angola com as empresas Privinvest e Prolndicus, as duas empresas que negociaram empréstimos de mais de mil milhões de dólares à margem das contas públicas, em Moçambique.
“A conclusão mais significativa [da investigação levada a cabo pela consultora EXX Africa] é que a Simportex — uma empresa do Ministério da Defesa de Angola, e que entrou numa parceria com a Privinvest — assinou dois contratos significativos, no total de 122 milhões de euros, em 2015, com a Finmeccanica, depois chamada Leonardo S.p.A) para aquisições que a Privinvest poderia ter feito ela própria”, lê-se no documento.
Em Dezembro de 2015 a Simportex terá “assinado contratos para a compra e venda de equipamento, parte suplentes, e para dar instalação e treino para equipar um centro nacional e três centros de coordenação marítima regional, bem como para instalar várias estações de controlo, replicadores de sinal e meios de comunicação na costa angolana”.
O relatório explica que “o acordo foi feito entre o Ministério da Defesa e a Selex Company Ess num valor em kwanzas equivalente a 115 milhões de euros”, e incluía também “a compra e venda de dois veículos de patrulha ultra-rápidos, peças suplentes, ferramentas e serviços de treino, entre o Ministério da Defesa nacional e a companhia Whitehead Sistemi Subacquei SPA, num valor em kwanzas equivalente a 7,3 milhões de euros”.
Ainda em 2015, a consultora diz que Angola “entrou noutro acordo com a subsidiária francesa da Privinvest, a CMN (que construiu os barcos da EMATUM) para fornecer um projecto hidroeléctrico”, sobre o qual não são dados mais pormenores.
Citando uma fonte “próxima da ProIndicus”, a EXX Africa diz que João Lourenço, enquanto ministro da Defesa, visitou o projecto de Moçambique “enquanto parte de um esforço da Privinvest, liderada por Boustani, para lhe vender um pacote similar” ao que tinha apresentado a Moçambique.
O antigo vice-presidente Manuel Vicente, apresentado como alguém “que agora age como consultor financeiro e económico com extraordinários poderes e influência sobre as políticas públicas”, terá tido um “papel proeminente” nos acordos entre Angola e a Privinvest, já que terá apresentado o empresário Gabriele Volpi às autoridades moçambicanas, primeiro, e depois entre Jean Boustani e João Lourenço e a Privinvest.
O director da EXX Africa e autor do relatório diz que o mesmo “não acusa ninguém de qualquer acto ilícito nos negócios entre a Simportex e a Privinvest” e enfatiza que o objectivo é “alertar para o facto de que a Privinvest tem uma reputação controversa e que os negócios com esta firma devem ser sujeitos a um escrutínio mais próximo, preferencialmente pelo próprio Governo angolano”.
Questionado sobre os pormenores da investigação levada a cabo, Robert Besseling disse que “o objectivo era alertar os nossos clientes sobre a possibilidade de haver um risco reputacional que precisa de ser investigado mais em detalhe para eles limitarem a sua exposição” e conclui que “o precedente sobre o que aconteceu em Moçambique deve servir como um aviso para todas as partes envolvidas em grandes negócios de procuração em Angola”.
Entre os documentos apresentados pela Justiça norte-americana contra Jean Boustani e Manuel Chang, há uma apresentação de 27 páginas sobre o que é a Privinvest, na qual são apresentados exemplos de projectos em países como Alemanha, França e Angola, sendo que neste último mostra-se um desenho computorizado de uma fragata ligeira, de 90 metros, com o título Project Angolan Navy, mas sem mais pormenores além das especificações técnicas da fragata.
(*) Com agências
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